quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A tragédia de Antígona


Em suas obras literárias os homens narram os conflitos próprios de sua época, e muitos destes conflitos são próprios do direito. Uma obra que nos mostra um pouco de como os gregos antigos pensavam o direito é Antígona de Sófocles.
Para entender Antígona é preciso conhecer o contexto do jusnaturalismo em que os gregos estavam inseridos. Em todas as modalidades do jusnaturalismo se trabalha com os dois conceitos: direto positivo e direito natural, sendo que o direito positivo encontra seu fundamento de validade no direito natural.

O direito positivo é o direito criado pelos homens, e o direito natural, na Grécia é o direito do cosmo, o direito do universo e dos deuses. Aqui o conceito de direito natural está muito ligado a religião dos gregos.

O direito natural deveria ser respeitado porque esta era a única maneira de se obter a felicidade. A sanção do direito natural é intrínseca a este, as próprias conseqüências dos atos do infrator do direito natural serão sua perdição. O homem é livre para respeitar o direito natural ou não, mas somente será feliz se optar por respeitá-lo. A lógica que liga a infração e a sanção é uma lógica de causalidade.
“Segundo esta doutrina, o direito positivo deriva sua autoridade do direito natural. Os homens devem obedecer ao direito positivo e na medida em que a natureza o ordena; e a natureza o ordena na medida em que o direito positivo se confirma ao direito natural.” (KELSEN, p. 252)
Porém não se pode negar direito positivo. Mesmo que ele esteja em desacordo com o cosmo, e, portanto, carente de validade, este tem uma sanção própria que é também imposta por um homem. Aqui lógica que liga a infração com a sanção é uma lógica de imputação.
Mas o que fazer quando o direito positivo vai contra o direito natural? Os homens teriam que ponderar. Qual sanção é pior, a sanção dos homens ou a sanção do cosmo? E este é o conflito da peça Antígona.

Na Grécia acreditava-se que os mortos que não fossem enterrados não podiam entrar no Hades, o paraíso dos gregos. O rei Creonte decidiu que Polínices, o irmão de Antígona, não seria enterrado na ocasião de sua morte e aquele que o enterrasse seria morto por lapidação. Apesar da lei positiva proferida por Creonte, Antígona joga um pouco de terra sobre o corpo de seu irmão para simular um sepultamento, sendo, portanto condenada a morte.

Antígona fundamenta seu desrespeito pela lei positiva no argumento de que existe uma lei natural pela qual os homens devem enterrar os seus parentes, por isso a lei de Creonte era vazia de validade. Antígona diz:
“Eu conheço outras leis, que não foram criadas ontem ou hoje, mas que tem um valor perene, e que ninguém sabe de onde vieram. Nem um mortal pode infringi-las sem tornar-se vitima do ódio dos deuses. Uma lei como esta obriga-me a não deixar insepulcro o filho de minha própria mãe.” (SCHWAB, p. 304)
A heroína ainda diz que a sanção do direito positivo, a morte por lapidação, não é pior do que a do direito natural, o ódio dos deuses, preferindo arcar com a primeira.

Por sua afronta ao direito natural, Creonte é penalizado com a infelicidade. O filho de Creonte, Hêmon, que era apaixonado por Antígona, ao saber da morte da amada comete suicídio. O rei fica sem herdeiros para deixar seu trono.

Esta peça, apesar de escrita na antiguidade trata de uma questão de muita atualidade, o homem deve respeitar as leis ou respeitar sua consciência quando estas forem contraditórias?
Como toda obra literária, a referida tragédia grega da margem a varias interpretações. Há outra forma de ler o conflito, de que na verdade é um conflito entre a esfera pública e a privada.
Nesta interpretação tanto Antígona como Creonte fundamentam suas atitudes em direitos naturais, mas ambos são inconsistentes em suas argumentações, porque em nem um dos casos suas ações foram autorizadas pelo direito natural.

Aqui se tem que levar em consideração a existência de duas classes de deuses gregos. Os deuses Olímpicos, que eram os protetores da polis, e os deuses infernais, que eram os protetores da família. É importante entender que o direito natural não se contradiz, o cosmo é sempre harmônico, o que os gregos acreditavam era que uma classe de deuses era própria da esfera publica, e outra da esfera privada, e os respectivos direitos naturais não estavam em conflito.
“(...) A peça, escrita no auge da democracia ateniense, é uma discussão sobre a polis e seu fundamento religioso (ou não), a democracia e o despotismo, formulando a seguinte questão: O poder político fundamenta-se em si mesmo ou há algo superior a ele?” (GALLUPO)

Creonte alega que os deuses olímpicos lhe autorizaram a legislar a fim de proteger a polis. Portanto legislava com legitimidade. Polínices de fato era um traidor, e Creonte podia puni-lo. O rei peca ao punir o traidor numa esfera própria da família.

Antígona também erra, embora os deuses infernais conferissem a Antígona o direito de enterrar seu irmão, mas não o direito de desrespeitar a lei da polis.

Também é o conflito entre o público e o privado muito atual, são cada vez mais nebulosos os limites do Estado, até onde o Estado pode interferir, ou até aonde se deve se deixar os homens pactuarem de com autonomia.

Podemos aprender muito sobre direito ao observarmos nas obras literárias a maneira como outros homens, de outras épocas, trabalhavam com o direito.



Há uma discussão interessante sobre a peça Antígona no link abaixo:
http://vimeo.com/13765021

3 comentários:

  1. Muito bom o texto.
    Acredito que, havendo contradição entre sua consciência e a lei, o homem deve seguir sua consciência, para não correr o risco de, com sua conduta, amparar lei que julga injusta. Essa discussão, aliás, lembrou-me dos "dez mandamentos dos advogados", muito bem escritos por Couture.
    Não colocarei os 10 aqui (deixo a seu cargo buscá-los, se ainda não os conheces), mas o quarto diz:

    "4) LUTA - Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça."

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  2. Interessante texto, e mais interessante ainda e como a maravilhosa Mitologia Grega nos faz problematizar questões do próprio Direito. Na tragédia o problema está na duplicidade de Deuses, pois tanto Creonte quanto Antígona, defendem as leis morais e religiosas, porém cada um deles interpretam de uma maneira. Pois enquanto Antígona adora os deuses ínferos; Creonte adora os deuses olimpicos, essa contradição entre a esfera pública e privada é interessante se pensarmos:Será que um sujeito ao se tornar um representante da esfera pública, deixa de lado sua esfera privada? E um outro detalhe importante a justiça para eles não depende da vontade humana, mas da ordem do cosmos(deuses), mas aí um problema como a lei do cosmos pode ser ambigua a ponto de permitir que os cidadãos cometam tais atos, baseados em leis a eles determinados. Talvez esse seja um grande problema do Direito.

    Mas de qualquer maneira fico muito feliz em ver o Direito tão envolvido com a Filosofia, a modo de fazer dela uma necessidade para sua existência.

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  3. Olá Paulo,

    Temos que conversar, mudei totalmente minha perspectiva sobre Antígona, queria que você me dissese tua opinião. Talvez vá contra o que escrevi no comentário acima.

    Att

    Fernanda Gomes
    Direito/Filosofia

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