O conflito ou concurso aparente de normas verifica-se na ocasião em que várias leis são aparentemente aplicáveis a um mesmo fato, mas, esse suposto conflito é solucionado através da interpretação que permite a aplicação de somente uma dessas leis ao caso concreto.
Torna-se relevante ressaltar que o referido conflito de normas não é efetivo, mas tão somente aparente. Afinal se, de fato, ocorresse o conflito, a composição do Direito Penal, como sistema coerente e ordenado de normas estruturadas em relações de hierarquia e dependência, estaria abalada.
A doutrina majoritária apresenta os seguintes princípios para solucionar o supramencionado conflito: especialidade, subsidiariedade e consunção.
O princípio da especialidade é uma norma do Direito, aplicada em seus diversos ramos e consiste na prevalência da norma especial sobre a norma geral. Assim, a norma especial apresenta todos os elementos da norma geral, acrescida de elementos especializantes (mais específicos que os da geral), estabelecendo-se uma relação de espécie e gênero.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, esse princípio tem a função de evitar o bis in idem, isto é, impede que o acusado seja punido duplamente pelo mesmo fato e pode ser estabelecido in abstracto, ou seja, não se exige que sua aplicação seja cogitada no caso concreto, diferentemente dos dois outros princípios que demandam o confronto in concreto das leis que definem o mesmo fato.
Exemplificadamente, a relação de especialidade pode ser verificada na prevalência das legislações extravagantes (caracterizadas por possuírem princípios, normas próprias e específicas), em um conflito aparente, sob as normas do Código Penal e ainda entre determinados crimes tipificados por esse diploma, como no caso de crimes qualificados ou privilegiados (tipos derivados) que são especiais quando comparados com o tipo básico.
Para se utilizar o princípio da subsidiariedade deve-se verificar se há relação de primariedade e subsidiariedade entre duas normas penais que sancionam, com graduações distintas, um mesmo bem jurídico. Dessa forma, só uma delas irá prevalecer: a subsidiária, se o fato não caracterizar crime mais grave ou a norma principal cuja pena é mais grave que a do tipo subsidiário.
A subsidiariedade pode ser expressa, isto é, a própria norma admite uma aplicação subsidiária: se não configurar infração mais grave, como no caso do art. 132 do CPB: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”. Ou pode ser tácita, quando apesar de omissa a norma penal, por força de interpretação lógica, verifica-se que o tipo penal constitui, majora ou funciona como meio prático de execução de outra figura mais grave. Exemplo: o constrangimento ilegal (art. 146 do CP) é subsidiário dos crimes em que há emprego de violência ou grave ameaça, como o roubo (art.157 do CPB).
Finalmente, no que tange ao princípio da consunção ou absorção, deve-se vislumbrar que um dos crimes mostra-se como um “caminho natural para se chegar a um fim”, fim esse que configura um outro crime, devendo ser aplicado apenas este. Ou seja, a norma que tipifica determinado crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime, numa relação de todo e parte, de inteiro e fração.
Recorrente é a utilização da correlação entre crime-meio e crime-fim para ilustrar a ocorrência da consunção, afinal essas expressões denotam que o crime-meio é realizado como uma etapa ou fase do crime-fim, punindo o agente somente pela conduta lesiva final desejada (crime-fim), em que é esgotado todo o potencial ofensivo do comportamento criminoso.
Interessante observar que nem a diversidade de bens jurídicos tutelados e nem a disparidade de sanções cominadas são obstáculos à ocorrência da consunção. Como exemplos dessas duas situações podem ser citados os seguintes crimes: a invasão de domicílio (crime-meio, art. 150 do CPB, bem jurídico tutelado: paz doméstica, tranqüilidade do lar) com o objetivo de praticar o furto (art. 155 do CPB, crime-fim, bem jurídico tutelado: patrimônio), este absorverá aquele; a falsificação de documento público (crime-meio, art.297 do CPB, pena: 2 a 6 anos de reclusão e multa) realizada com o intuito de praticar o estelionato (crime-fim, art.171 do CPB, pena: 1 a 5 anos de reclusão e multa), incidirá o princípio da consunção, sendo aquele crime absorvido por este. Assim, ainda que a pena do crime-fim seja menos grave que a do crime-meio, aquele deverá ser aplicado em detrimento deste.
Outros exemplos podem, ainda, ser citados: o crime consumado absorve o crime tentado e o crime de dano absorve o crime de perigo.
Quer saber mais sobre concurso aparente de normas, leia apenas cinco páginas do livro: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: volume 1 : parte geral. 15. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 223 a 228. Disponível na biblioteca.